
Mulher selvagem é um conceito central na obra poderosa da analista junguiana Clarissa Pinkola Estés, Mulheres que Correm com os Lobos. Neste livro, ela explora a relação entre as mulheres e seus instintos naturais. A autora investiga como a figura do lobo, frequentemente associada ao medo e à violência nos contos de fadas, possui um significado mais profundo e simbólico. Assim, Estés revela que, ao longo da história, as mulheres enfrentaram um tratamento semelhante ao dos lobos, sendo domesticadas e reprimidas em sua essência instintiva.
Além disso, Estés aborda 19 mitos, lendas e contos de fadas, mostrando como a natureza instintiva da mulher foi sufocada ao longo do tempo. Por meio de histórias como a do patinho feio e do Barba-Azul, o livro ilustra o processo de domesticação que punia as mulheres que se rebelavam contra as normas sociais. Portanto, Mulheres que correm com os lobos se torna um chamado à restauração da energia vital feminina, devastada por ciclos artificiais impostos pela sociedade. A mulher selvagem, como Estés descreve, representa a conexão profunda entre as mulheres e seus instintos naturais.
Por fim, ao realizar uma “escavação psíquico-arqueológica” nas ruínas do mundo subterrâneo, Estés nos convida a resgatar a corajosa loba que habita em cada mulher. Com uma nova edição que apresenta um projeto gráfico e capa dura, este clássico dos estudos sobre o sagrado feminino e o feminismo continua a inspirar e empoderar mulheres em sua jornada de autodescoberta e libertação.
Resenha crítica do livro
O Fascínio da Mulher Selvagem pelos Lobos
O fascínio pelos lobos permeia a obra de Clarissa Pinkola Estés, que, além de psicanalista, possui ascendência mexicana. Desde cedo, ela nutriu um interesse especial por esses animais, o que se reflete em suas histórias. Como guardiã dos costumes ancestrais, Estés revela que muitos elementos presentes em seu livro se baseiam em interesses familiares e nas tradições que moldaram sua visão de mundo.
De fato, Mulheres que correm com os lobos foi fortemente inspirado em seu estudo sobre animais selvagens, destacando especialmente os lobos, como o Canis rufus e o Canis lupus. Cada capítulo não apenas narra histórias envolventes, mas também oferece uma análise psíquica profunda sobre o significado dessas narrativas para as mulheres selvagens. Dessa forma, Estés utiliza sua habilidade como contadora de histórias para conectar as experiências das mulheres com as lições que os lobos podem ensinar.
Assim, ao longo do livro, Estés convida as leitoras a redescobrirem sua natureza instintiva, usando as histórias dos lobos como um espelho para refletir sobre suas próprias vidas. Essa abordagem única torna a leitura não apenas fascinante, mas também transformadora, permitindo que cada mulher encontre sua voz e sua força interior.
O Uivo: A Ressurreição da Mulher Selvagem
A mulher lobo simboliza o espírito subjacente à grande mãe Natureza, que coleta os restos mortais dos animais falecidos e os protege. Assim, ela representa a conexão profunda entre as mulheres e os ciclos naturais da vida, lembrando-nos da importância de resgatar nossa essência instintiva. A mulher selvagem simboliza o espírito subjacente à grande mãe Natureza…
A Tocaia ao Intruso
Em seguida, Estés aborda o conto do Barba Azul, oferecendo uma reflexão profunda sobre as irmãs mais novas. Geralmente, essas jovens são protegidas pelas mais velhas, pois são vistas como ingênuas demais para enfrentar os desafios do mundo. Essa dinâmica revela uma percepção distorcida da força e da capacidade das mulheres, que muitas vezes são tratadas como frágeis.
A autora provoca uma reflexão crítica sobre como essa visão limitada impacta a autoestima e a autonomia das mulheres. Estés argumenta que, em vez de serem vistas como vulneráveis, todas as mulheres devem ser tratadas como iguais, com a força e a sabedoria necessárias para enfrentar os desafios da vida. Portanto, essa mudança de perspectiva é essencial para a resiliência e o empoderamento feminino.
Assim, ao explorar a figura do intruso e as armadilhas que ele representa, Estés nos convida a reconhecer e desafiar as narrativas que limitam as mulheres. Por meio de suas histórias, ela nos lembra da importância de cultivar a confiança e a coragem, permitindo que cada mulher se torne a heroína de sua própria jornada.
Farejando os Fatos: A Jornada de Vasalisa e a Mulher Selvagem
Neste capítulo, Estés apresenta a história de uma boneca chamada “Vasalisa, a Sabida”. Além de explorar nove pontos interessantes relacionados à narrativa, ela revela semelhanças com a conhecida “Gata Borralheira”. Estés utiliza essa comparação para aprofundar a discussão sobre a condição das mulheres em contos de fadas.
Após a morte de sua mãe, o pai de Vasalisa casa-se com uma mulher que já tem duas filhas. Como era de se esperar, essas irmãs tratam a menina muito mal, sobrecarregando-a com todos os afazeres do lar. Essa dinâmica familiar ilustra a opressão que muitas mulheres enfrentam, refletindo a luta pela sobrevivência e pela identidade em um ambiente hostil.
Dessa forma, o modo como Vasalisa é descrita promove uma clara relação com o oitavo capítulo da obra, esclarecendo aos leitores como se deu a perda brutal nos contos de fadas atuais. Estés, portanto, convida as mulheres a reconhecerem sua força interior e a desafiar as narrativas que as limitam, resgatando assim a essência da mulher selvagem.
O Parceiro e a União com o Outro: O Sagrado Masculino e a Mulher Selvagem
O arquétipo do menino aparece na figura de Manawee, o homem selvagem. Trata-se de uma história da Polinésia sobre o “Sagrado Masculino” e a busca espiritual pela “Mulher Selvagem”.
Agora que chegamos à metade da leitura, é hora de adentrar um pouco mais nas concepções da autora sobre o arquétipo feminino, explorando conceitos e histórias como a caçada, a sensação de pertencimento, a ideia de “self” e muitos outros.
A Caçada: Quando o Coração é um Lobo Solitário
Neste capítulo, a autora apresenta a história da “Mulher Esqueleto”, uma jovem que desobedeceu às ordens do pai ao se apaixonar e decidir se casar com uma pessoa desaprovada por ele. Apesar de várias reviravoltas, ela termina sendo atirada ao fundo do mar, onde permanece com seus cabelos esvoaçantes.
Entretanto, um certo dia, um pescador solitário traz esse esqueleto à tona após lançar uma de suas redes. Ao saber que o esqueleto pertence a uma mulher, ele decide levá-lo para casa.
Uma vez em sua residência, um acontecimento mágico ocorre, pois a mulher readquire sua condição humana e passa a viver com ele. Essa narrativa simboliza a transformação e a resiliência feminina, refletindo a conexão profunda entre amor e renovação.
A Procura da Nossa Turma: A Sensação da Integração
A história apresentada no sexto capítulo é semelhante à do patinho feio. A autora oferece uma interpretação interessante, especialmente para mulheres que sentem que não se encaixam ou pertencem a algum lugar, parecendo sempre desconfortáveis.
Os paralelos continuam até chegar a diferentes tipos de mães, focando em confortar todas as pessoas que, por um motivo ou outro, se sentem perdidas em suas vidas. O tom de Estés busca fornecer calma e a certeza de que, no fim das contas, tudo dará certo.
O Corpo Jubiloso
Nesse tema, a autora concentra-se no corpo das mulheres antigas, contando a história da “Mulher Mariposa”. Essa narrativa mexicana demonstra o poder feminino presente nas mulheres mais velhas, abordando tudo o que ocorreu até elas atingirem essa fase da vida.
Preservação do Eu: A Identificação das Armadilhas
O conceito de preservação do eu, ou seja, “de si mesma”, refere-se a detentores de direitos e significados próprios que prescindem de qualificações ou atributos externos. Esse tema é trazido aos leitores por meio da figura da “Mulher Braba”, descrita como uma mulher teimosa, que não escuta e insiste em ações que lhe provocam sofrimento.
Estés fala sobre mulheres que erram, sofrem e, ainda assim, não aprendem com os próprios insucessos. O conto selecionado para ilustrar essa noção discorda do respeito de uma jovem órfã aficionada por sapatinhos. Embora tenha sido proibida de usá-los, ela insiste na ação e sofre, em consequência, um terrível acidente.
A Volta ao Lar: O Retorno ao Próprio Self
O conceito de “retorno ao self” é ilustrado com um conto sobre as “Mulheres Focas”. Segundo a autora, essas mulheres saem do mar em noites de lua cheia, despindo suas peles (obviamente, de focas) e dançando ao luar até que um homem solitário e atraente apareça para se casar.
Quando um fingido surge, ele rouba e esconde uma das peles que as mulheres deixavam escondidas para recolocar ao amanhecer. Dessa forma, ele obriga uma das mulheres a aceitá-lo em casamento e, por fim, a terem um filho juntos.
As Águas Claras: O Sustento da Vida
Estés brinda os leitores com um conto amplamente conhecido – a história de “A Chorona” – que é considerado sobrenatural. O relato fala de uma mulher apaixonada por um homem infiel. Em meio a uma tristeza intensa, ela se afoga com o filho em um rio.
A tradição diz que ela dedica toda a sua pós-vida à procura do filho nas profundezas do rio e que seu choro ainda pode ser ouvido pelos viajantes. Nesse capítulo, a autora conta outra história sobre uma moça que planejou seus sonhos e sua rica imaginação com coisas inviáveis, pois, naquele momento de sua vida, deveria atender a outras prioridades.
A obra traz outros contos, todos focados em provocar a reflexão das mulheres sobre a necessidade do feminismo e o modo como conceber sua vida particular. Essa leitura é, certamente, produtiva, estimulando uma jornada de autoconhecimento por meio de lições valiosas transmitidas em seus contos.
Notas Finais
Por fim, é importante ressaltar a ênfase de Estés no fato de que todas as mulheres anseiam por aquilo que é selvagem. Contudo, segundo ela, há poucos antídotos em nossa cultura para diminuir esse ardente desejo. Afinal, as meninas aprendem, desde cedo, a se envergonharem de aspirações desse tipo.
Assim, as mulheres deixam crescer os cabelos e os utilizam para esconder seus sentimentos. Entretanto, o espectro onipresente da Mulher Selvagem espreita noite e dia. Não importa o local, a sombra que as persegue tem, definitivamente, quatro patas.
Dica do 12min
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Reading Mulheres Que Correm Com os Lobos – resenha crítica no #12min! https://12min.com/br/mulheres-que-correm-com-os-lobos
Para saber mais sobre o empoderamento feminino, confira nosso artigo sobre Mulheres e Autoconhecimento.